O leitor de biografias não vive uma vida única, mas diversas vidas, pois amplia a sua experiência pessoal, acrescentando-lhe a experiência dos seus semelhantes. Vidas que souberam sofrer, lutar e resistir a muitas dificuldades e que souberam construir algo de muito valor que aqui se pretende (re)lembrar e justamente enaltecer.
Vive connosco a plena convicção de que é imperiosa obrigação de uma comunidade historiar os feitos de todos aqueles que com o seu esforço e a sua dedicação contribuíram para a divulgação e dignificação do nome da sua terra. Foi norteados por esta linha de pensamento que avançámos para a elaboração deste trabalho, o qual, nada mais pretende ser do que uma modesta colaboração para a feitura de uma profunda história sobre o Desporto na nossa terra.
Durante anos procedemos a uma recolha minuciosa de dados. Realizaram-se reuniões e consultaram-se dezenas de pessoas, procurando recolher factos e apurar a respetiva veracidade. Foi nosso propósito geral procurar acontecimentos de grande projeção individual, em que um atleta atingiu pleno reconhecimento, ou de elevada intervenção comunitária, que fizeram vibrar e participar toda ou grande parte da população de São Bernardo. Vamos, assim, recordar a sua história e viver a vida de todos quantos, no passado, contribuíram para a realidade atual que é o desporto em São Bernardo.
A todas as pessoas que colaboraram e tornaram possível este trabalho, o nosso sincero agradecimento. De um modo especial a Francisco Ribeiro dos Santos e Carlos Pinto, aos Diretores do G.D.S.B. e do F.C. Estrela, a Elias Cruz e aos muitos atletas;
O NOSSO BEM HAJAM
Ao nível da prática desportiva na Freguesia de São Bernardo, no período entre os anos de 1930 e 1960, tendo por base os elementos históricos aos quais tivemos acesso, destacam-se, claramente, três realidades distintas e marcantes. Assim, na década de 30, o maior destaque vai para o grande ciclista que foi Elias Cruz, cujos feitos foram alvo de uma assinalável projeção nacional. No final da década de 40, desponta aquela que se pode considerar como uma das primeiras manifestações desportivas organizadas na nossa Freguesia. Tratou-se do surgimento, sucessivamente, de dois clubes dedicados à prática do futebol de 11 - “Os Águias” e o “Futebol Clube Estrela”, cujas histórias iremos rever neste trabalho. A década de 50, por sua vez, assiste ao fim dessas experiências e testemunha o despontar do Grupo Desportivo de São Bernardo, também direcionado para a prática do futebol de 11, que funcionou entre 1957 e 1959, com uma intensa atividade e com uma grande participação comunitária, como, mais à frente, iremos referir.
Vejamos, então, cada um desses momentos mais marcantes que acabámos de referir, respeitando a ordem cronológica.
ELIAS CRUZ
Em São Bernardo, na Rua Cega, nasceu aquele que viria a ser um nome de grande prestígio nacional, cuja fotografia e êxitos seriam divulgados em grande plano nos jornais e que viria a empolgar milhares de pessoas com a sua força, o seu espírito de lutador indomável e as sua vitórias.
Nome completo: Elias Ferreira da Cruz.
Data de nascimento: 3 de Abril de 1911.
Sétimo filho de um grupo de dez.
Pai: Manuel Ferreira da Cruz
Mãe: Maria Rita de Jesus.
Por brincadeira entrou, com a sua pasteleira roda baixa, de fabrico nacional, marca AIDAN, sem mudanças, no ano de 1931, numa prova de Ciclismo organizada numa 2.ª feira de uma festa em São Bernardo. Com uma facilidade impressionante as seis rosquilhas (pão de trigo redondo) atribuídas ao primeiro classificado foram ganhas pelo Elias Cruz.
Entusiasmado pelo êxito e pela extrema facilidade com que o conseguiu, começa a participar em todas as provas de Ciclismo que era costume, nesses anos, organizarem-se nas segundas-feiras das Festas, da responsabilidade das Comissões
de Festas respetivas. Assim, em 1931, 1932 e 1933, na companhia constante de António Ferreira, que normalmente era o segundo classificado nas provas, participa e vence as seguintes provas:
- Festa de São Bernardo.
- Festa da Alumieira (Mataduços).
- Festa de Esgueira.
- Festa de Aradas.
- Circuito de Ílhavo (Mira/Cantanhede/Mira).
- Gafanha da Nazaré.
- Circuito da Barra.
- Circuito de Estarreja.
- 1.º Aveiro/Coimbra/Aveiro.
O afinador da sua bicicleta era o Clemente Ferreira e, mais tarde, foi o Raul das Bicicletas, de Aveiro. Para tanto, o Elias tinha que no dia da prova levar lá a sua bicicleta e o Raul punha-lhe pneus e correntes novos para a prova, tendo a bicicleta que estar lá no dia seguinte para tornar a colocar o material velho e tirar o novo, limpá-lo muito bem para o tornar a vender como novo. O Treinador do Elias, nestas provas, era o entusiasta João Amaro.
A sua bicicleta AIDAN, com o Elias e a sua força em cima, começaram a inquietar todos os restantes ciclistas. Assim, em princípios de 1933, arranjaram a acusação de ele ser profissional e não o deixavam correr nestas provas. É que, temos que reconhecer, prova em que o Elias corresse, era prova ganha.
Este amontoar de êxitos levava as pessoas a afirmarem, antes de cada prova, que “O ELIAS VAI GANHAR”. Um Diretor do F.C. Porto, a exercer a sua atividade profissional numa Fábrica de Sabão, em Aveiro (na Rua de São Martinho), ouvindo tantas pessoas a afirmarem que o “ELIAS GANHAVA SEMPRE”, resolve indagar quem era esse tal Elias. E assim foi estabelecido o primeiro contacto, onde lhe foi formulado o CONVITE para ir correr para o F.C. Porto. A primeira resposta do Elias é “não”, porque não tinha bicicleta, mas os Diretores do F.C. Porto, conhecedores do seu valor, ultrapassam o assunto dando-lhe uma bicicleta marca VILAR, sem mudanças, que pesava 19,5 Kg. A correr com essa bicicleta, o Elias tinha direito aos seguintes prémios:
- 1.º lugar numa prova: 1$00 o Km;
- 2.º lugar numa prova: $80 o Km;
- 3.º lugar numa prova: $60 o Km.
Assim, deslocou-se ao Porto, de comboio, onde assinou a ficha de Atleta pelo F.C. Porto. Estávamos em 1934. O Elias acabou por correr pelo F.C. Porto nos ano de 1934, 1935 e 1936.
Só raramente ia fazer um treino ao Porto, treinando na quase totalidade nas nossas zonas, preferencialmente no trajeto São Bernardo/Oliveira do Bairro que fazia diversas vezes e na Azenha de Baixo, onde existia uma grande subida que ele fazia vezes sem conta de cada vez que lá ia, já que ele gostava mais de subir.
Quando havia alguma prova, o F.C. Porto enviava-lhe, na véspera, um telegrama para ele se apresentar na Sede do Porto no dia seguinte a uma determinada hora. O F.C. Porto pagava-lhe as deslocações de comboio, das vezes em que o Elias não resolvia ir de bicicleta, a estadia e o táxi.
O seu palmares é impressionante, destacando-se o Título de Campeão Nacional do Norte nos três anos consecutivos que representou o F.C. Porto (1934, 35 e 36). Destaca-se também a prova Porto/Vigo/Porto, em duas etapas, que contou com a participação dos melhores ciclistas nacionais e do Campeão Espanhol Délio Rodriguez, e que o Elias brilhantemente venceu, cortando as duas metas, em Vigo e no Porto, em primeiro lugar. O Giro do Minho, prova de elevada categoria nacional onde se faziam representar as estrelas da velocipedia nacional, é outra prova que Elias Ferreira da Cruz tem no seu palmarés com um primeiro lugar.
Outra prova de grande prestígio era o Circuito de Vila Nova de Gaia disputado por eliminatórias. Elias, em luta com os melhores ciclistas nacionais, venceu sucessivamente todas as eliminatórias e a Final. No Circuito da Bairrada, uma grande estrela do Ciclismo Nacional, Nicolau, vergou-se a um 2.º lugar, ficando o Elias em 1.º.
Porto/Braga/Porto, prova de grande nomeada, é mais uma ganha por Elias Cruz. Porto/Serra do Pinhão, Porto/Lisboa e o Circuito de Vila Real foram provas, além de outras mais, que tiveram a HONRA da presença do Elias Cruz.
No Grande Prémio da Delegação do Porto da União Velocipédica, encontram-se frente a frente a estrela máxima do Ciclismo Nacional da altura, Alfredo Trindade e um valoroso ciclista: Elias Cruz. Outros nomes máximos do Ciclismo dessa época entraram também nessa prova, como Ezequiel Lino, Albino Ferreira, Nunes da Silva, Floriano Moreira, César Luís, Domingos Dias, José Raínho, Albino Maia e José Sousa, entre muitos outros.
Uns anos antes tinham surgido as primeiras bicicletas com mudanças, que imprimiam maiores velocidades com menor desgaste físico dos atletas. Alguns desses ciclistas utilizavam, nessa prova, bicicletas com mudanças. Era uma corrida desigual.
Elias Cruz continuava na sua bicicleta VILAR, com aros de madeira, a não ter mudanças. Mas ele não era homem para desanimar. Dada a partida, ele põe-se à frente a puxar o mesmo sem mudanças, com uma queda à saída de Viana do Castelo, que o obrigou a esperar cinco minutos pelo seu carro e, apesar de bastante magoado, só um homem conseguiu aguentar aquele ritmo endiabrado: Alfredo Trindade. E com a meta à vista, Alfredo Trindade, na sua bicicleta de mudanças, sprintou e venceu a prova. Mas a atuação do Elias Cruz foi tão surpreendente e meritória que no Jornal STADIUM, publicado no dia seguinte, veio inserida uma fotografia dos dois ciclistas abraçados com a legenda: “ALFREDO TRINDADE E ELIAS CRUZ, VENCEDORES DA PROVA”.
Elias Cruz foi um exemplo de determinação, de querer, de força e de fibra. Mesmo a oposição de sua mãe não obstou a que ele se guindasse a um nível tão elevado, sendo, indiscutivelmente, uma reluzente estrela no firmamento velocipédico nacional da altura. As pessoas de São Bernardo sentiam profundamente tudo isto e viviam com um entusiasmo incomensurável os seus êxitos. Na hora em que cada prova terminava, já uma delegação de São Bernardo, fosse qual fosse o dia e a hora, estava na Ponte Praça, debaixo dos Arcos, a aguardar, junto do Placard, a classificação final do Elias. Esperavam horas sem fim, e quando acontecia, como quase sempre aconteceu, que o Elias era o primeiro, era o entusiasmo que rapidamente era trazido para a sua terra. Espontaneamente, as pessoas juntavam-se no pátio de sua casa. A “Tuna” de São Bernardo, com a sua música e marchas, vinha voluntariamente associar-se à festa. Era música, dança, alegria, vida, juventude e amizade. Ninguém arredava pé enquanto o seu Elias não chegasse. Era toda uma terra irmanada e feliz pelo êxito de um seu patrício.
À sua chegada, eram lágrimas que corriam pelas faces, eram abraços, era, em suma, uma espontânea manifestação da mais pura gratidão.
Em 1981, em pleno reconhecimento do importante papel que, em termos desportivos, Elias Cruz representou na nossa terra, o Centro Desportivo de São Bernardo, numa pública homenagem, atribuiu-lhe a Medalha de Mérito Desportivo. A esta homenagem associou-se a Assembleia de Freguesia de São Bernardo que, numa das suas Sessões Públicas, aprovou, por unanimidade, um voto de congratulação e de louvor a Elias Ferreira da Cruz.
Depois de uma vida passada inteiramente em São Bernardo, na Rua Cega, onde nasceu e sempre viveu, Elias Ferreira da Cruz veio a falecer no dia 23 de Fevereiro de 1994, encontrando-se sepultado no cemitério de São Bernardo.
Este estudo à sua carreira, feito quase setenta anos depois do início da sua brilhante prática desportiva, pretende ser mais uma justa homenagem e o preito merecido àquele que foi um dos primeiros a honrar e a expandir o nome da nossa terra, a nível nacional, através da prática desportiva.
OS ÁGUIAS E O F. C. ESTRELA
Nos últimos anos da década de 1940 vivia-se na zona de Aveiro um grande entusiasmo pelo Futebol de 11, existindo um impressionante número de equipas. Esse entusiasmo atingiu a gente moça de São Bernardo que, com um salutar espírito bairrista, queria que na sua terra existisse também um Clube que a representasse.
Em 1947, onze anos após o Elias Cruz ter acabado a sua atividade desportiva, surge em São Bernardo aquilo que se pode, em termos históricos, considerar como a primeira manifestação desportiva minimamente organizada na nossa Freguesia.
O seu começo dá-se na zona da Patela, naquilo que é hoje conhecido como o Rampanão, situado nas proximidades de um autêntico lago, existente na altura nas Areias, aproveitado como praia pelos jovens, a que então se dava o nome de Poça da Caçola.
Com o importante impulso dado por Américo Taipeiro, os jovens da altura começam por ter o seu ponto de encontro nesse terreno que, aliás, era de péssima qualidade para a cultura. As dificuldades eram enormes. A prática desportiva, nessa altura, era encarada pelos mais velhos (pais dos atletas) como um mal. Assim, não é estranho que tivessem que ser os próprios atletas a tratar de tudo e a conseguirem, eles próprios, também o dinheiro para as despesas decorrentes da sua atividade.
E é esse espírito que leva os jovens a pedir e a conseguir que o Estoril Praia oferecesse um equipamento (camisolas e calções) completo, da cor do atual equipamento do Estoril - Amarelo e Azul. Por sugestão do Américo Taipeiro foi desenhada em cada camisola, na parte da frente e de forma visível, uma Águia. E assim, surgiram “Os Águias”.
Foram grandes impulsionadores, além do Américo Taipeiro, o José Vieira Polónio, Francisco Brilhante e António Vieira, entre outros.
Embora jogando nesse terreno em “clandestinidade” (o dono não era de São Bernardo e não sabia a utilização que lhe estava a ser dada), foram feitos alguns necessários aplainamentos no terreno e colocadas, nos fundos do campo, varas de eucalipto, a fazer de balizas.
A vida dos Águias foi curta. Chegou a efetuar alguns (poucos) jogos amigáveis e ficou por aí. Mas, mesmo curta, valeu bem a pena a sua existência.
Tendo por base muitos dos seus jogadores e o entusiasmo de muitos elementos novos, vai surgir um novo Clube: O FUTEBOL CLUBE ESTRELA.
Porquê o nome de Futebol Clube Estrela? Em anos anteriores tinha existido em Aveiro um Clube com esse nome, o qual tinha granjeado enorme prestígio e deixado muitos admiradores. Um desses admiradores foi o João Amaro (que havia sido Treinador do Elias). Assim, quando surge um clube em São Bernardo, impulsionado grandemente por Eduardo Amaro, João Corona e José Manuel, não é de admirar que João Amaro (pessoa apaixonada pelo desporto e pai do Eduardo) tenha sugerido o nome de Futebol Clube Estrela, nome que foi aceite pelos restantes elementos.
Mas apesar de um novo nome, as dificuldades eram as mesmas. Aliás, ainda pioraram mais quando, um dia, o dono do terreno resolveu ir dar uma vista de olhos à sua propriedade e encontrou, naquilo que era seu, duas equipas descontraidamente a jogar futebol. Ultrapassadas aquelas naturais cenas que normalmente o dono de um terreno faz quando descobre que, sem o seu conhecimento, aquilo que é seu está transformado num campo de futebol, foi acordado alugar-se o terreno por MIL ESCUDOS por ano, pago pelo Estrela e pelo Vilar, ficando a sua utilização a ser a “meias”.
Para os primeiros jogos, o S.C. Beira-Mar cedeu amavelmente os seus equipamentos ao Estrela.
Quando os atletas conseguiram arranjar dinheiro suficiente para comprar um equipamento completo, foi a cor azul a preferida. E porquê o azul? É que nessa altura (época 1945/46), com a conquista do Campeonato Nacional de Futebol, o Clube de Futebol “OS BELENENSES” (que tinha bastantes simpatizantes na zona de Aveiro), estava numa fase de apogeu, não admirando, pois, a escolha da cor azul.
O campo situava-se numa zona profundamente bela, principalmente nos meses de Fevereiro a Maio, quando a beleza das mimosas fazia a sua aparição. A esta rara beleza não ficou indiferente o espírito de todos quantos felizmente a apreciavam, pelo que quando foi necessário dar um nome ao campo, este passou a ser chamado, com toda a propriedade: CAMPO DAS MIMOSAS.
Mas também existiam espinhos. O campo, além de ser muito irregular no piso, era em rampa. Mas não há impossíveis para o querer e determinação de uma juventude, virada para um belo ideal. O campo foi lavrado, a terra foi puxada, o piso foi aplainado e cilindrado e foi colocada uma vedação de madeira em volta do mesmo. Feita uma subscrição também foi possível a construção de uns balneários em tijolo. Curiosamente, pode referir-se que os chuveiros eram regadores com raros. João Amaro, que desenvolvia a sua atividade profissional como marceneiro, fez umas impecáveis balizas “com redes e tudo”.
A parte técnica da equipa era da responsabilidade do Eduardo Amaro e, por vezes, do José Manuel.
Passamos a referenciar alguns dos atletas do F. C. Estrela: Júlio Areias, Aires A. S. Martinho, António Felício, Albino Calisto Pinto, Eduardo Amaro, António Campos, António Rodrigues Branco, João Amaral, António Ferreira, José Raínho, José Polónio, Zeca Ribeiro, Manuel Coelho, Hernâni, Carlos Pinto, Eduardo Peiroteu, João Duarte, José Coelho Oliveira (Bustos), Zeca Cardoso, Necas Costa, Augusto Taipeiro, Tito, Manuel Furão, Campos, Albino, António Justiça, António Duarte, António Henriques, Barroca, António Vieira (Moço), João Simões Silva.
Diversos foram os jogos efetuados, dos quais destacamos:
Estrela - Quinta do Gato - 5-3
Ouca - Estrela - 2-1
Estrela - Ouca - 2-0
Mamodeiro - Estrela - 1-4
Estrela - Mamodeiro - 8-2
Gafanha da Encarnação - Estrela - 1-2
Estrela - Gafanha da Encarnação - 3-0
Estrela - Grupo Desportivo de Sá - 2-1
Estrela - Póvoa do Forno - 2-1
Póvoa do Forno - Estrela - 2-1
Eram muito renhidos os jogos com Vilar e Aradas que todos recordam como “bastante vivos” e que, inseridos num grande bairrismo, se traduziam normalmente em grandes jogos com enorme e entusiasta assistência e com resultados tangenciais. Além disso, o F. C. Estrela efetuou jogos com mais Clubes nos quais se encontra o Oliveirinha.
Em 1951, um senhor de Ouca, de seu nome João Rampanão, comprou o terreno e passado algum tempo, argumentando necessitar do mesmo, obrigou o F.C. Estrela a abandoná-lo.
Apesar dos esforços desenvolvidos por todos, Diretores e Atletas, não foi possível arranjar outro local com condições mínimas para se jogar futebol. E é por inexistência de instalações que o F. C. Estrela acaba e, com ele, o esforço, o entusiasmo e o carinho de toda uma juventude.
GRUPO DESPORTIVO DE SÃO BERNARDO
Apesar do F. C. Estrela ter acabado a sua atividade, aquele espírito bairrista da gente moça de São Bernardo soube resistir a todas as contrariedades, mantendo acesa a chama de uma esperança que apenas aguardava a primeira oportunidade para o renascimento do Desporto nesta localidade. Assim, seis anos depois, surge essa oportunidade e então começa a idealizar-se e a tornar-se realidade um novo clube.
Para nos situarmos no começo do Grupo Desportivo de São Bernardo, é imperioso que recuemos ao primeiro mês do ano de 1957. A juventude viva e alegre de São Bernardo ansiava pela criação de um grupo desportivo na sua terra, pretendendo justamente uma coletividade que lhe garantisse um mínimo de organização, programação e jogos. O desejo era tanto que, voluntariamente, fizeram uma angariação de dinheiro que rendeu, em Janeiro de 1957, a quantia de 95$00. Este valor foi entregue àqueles que viriam a ser os fundadores do Clube. Cinco pessoas de São Bernardo escutam e sentem bem dentro de si o eco desta solicitação e abrem o seu espírito comunitário e de entrega, ao desejo daqueles jovens. Manuel de Carvalho, José dos Santos Lopes, Carlos Pinto, Orlando Marques da Rocha e Carlos Correia são, assim, os fundadores do Grupo Desportivo de São Bernardo, virado unicamente para o Futebol de 11.
Como tarefa prioritária, impunha-se o arranjo de um campo onde a equipa pudesse fazer os seus jogos na qualidade de visitado. Depois de longas procuras, é alugado à Sr.a D. ª Lucília, por 800$00 por ano, pago em duas prestações, um pinhal desbravado, sito na Rua da Cabreira, a confrontar a Norte e a Sul com dois pinhais do Grijó, a Nascente com a Rua da Cabreira e a Poente com João Nunes da Rocha. O estado péssimo desse terreno, tornando impossível a prática do Futebol, impôs o arranjo do piso.
Assim, Diretores e Jogadores põem mãos à obra. Alugam um trator para lavrar a terra e depois foram as vacas de muitos amigos que, com arrastadeiras improvisadas, foram lentamente puxando a terra para a zona mais baixa e aplainando todo o restante terreno.
Foram enxadas, pás, picaretas, foi o entusiasmo, o amor e um alto ideal desportivo, que a todos irmanou, que tornou possível, muitas vezes à luz de petromax, que a nossa terra, em 1957, tivesse um recinto desportivo para a prática do desporto, ao serviço da sua juventude e das suas gentes. Os barrotes comprados na fábrica do João Nunes da Rocha, por 114$00, foram colocados nos fundos do campo, a servir de balizas. O paciente Manuel de Carvalho, com fio de saco que custou 71$30, e com o auxílio de António Calisto Pinto e Salvador Calisto Pinto, fez, no pátio do José Lopes, as redes para as balizas. Depois comprou 1/4 Kg de pregos (3$00) e pagou mais 4$00 ao Sr. António Vieira Caniço da Rua do Marco, por canas da Índia, para segurar as redes.
Para o Grupo Desportivo de São Bernardo ter bolas, bastava comprar as câmaras. Os gomos das bolas eram cortados pelo José Lopes e cosidos pelo Manuel de Carvalho. A exemplar entrega das pessoas ao Clube, até levou a que as chuteiras fossem feitas pelos seus Diretores, pagando os atletas só o material.
As primeiras camisolas e calções para os jogos foram feitos por Maria Lopes, sendo o segundo equipamento feito por Rosa Maio Neves. O carimbo do Clube foi pacientemente feito, na Sapataria de José Lopes, pelo Diretor Manuel Carvalho.
As mãos da D. ª Glória Vilar Ferreira (esposa do nosso saudoso Sr. Ferreira) fizeram carinhosamente a Bandeira do Clube.
Como meio de procurar minorar as dificuldades financeiras, é lançado, no início de 1957, um sorteio semanal de porcelanas, a sortear pela Lotaria Nacional, sorteio esse que se manteve durante um largo período de tempo. É também criado, numa perspetiva de receita, um sistema interno de multas, aplicável àqueles que não cumprissem as regras existentes ou faltassem aos seus compromissos para com o Clube. No total, o Grupo Desportivo de São Bernardo apurou, nos três anos da sua existência, por esta via, a quantia de 37$50.
Uma outra fonte de receita era a quotização dos seus associados. O Grupo Desportivo de São Bernardo possuía dois tipos de sócios: os sócios desportistas e os sócios auxiliares. O valor da quota mensal era de 1$00, tendo cada associado, no ato da inscrição, de pagar uma joia de 7$50. A receita da primeira cobrança de quotização foi, em Janeiro de 1957, de 26$00.
O carinho e a simpatia que um punhado de pessoas dedicou ao Clube, tornou possível o começo dos jogos. E é assim que, honrosa e galhardamente, o equipamento verde e branco (camisolas brancas e gola e mangas verdes e calções verdes com tarjeta branca - tudo em sarja), começou a aparecer em diversos campos de futebol. Será curioso referir que o pano foi comprado no João Pereira Vieira de Melo e que a cor pretendida pelos Diretores era o Grenat, o que só não aconteceu por não existir, de momento essa cor.
Apesar de nunca se ter federado, o Grupo Desportivo de São Bernardo começou a sua atividade com Juvenis e só depois Seniores.
Passamos a referir alguns dos atletas do Grupo Desportivo de São Bernardo: Carlos G. Pinto, Manuel S. Palavra, António Calisto Pinto, João José S. Valente, Olindo Soares Henriques, José Ramos Moreira, João Gonçalves Madaíl, Fernando Costa Pinho, César Maia Rodrigues Branco, Alberto Rodrigues Lopes, Hermínio Horta, António Gonçalves Branco, Aires Alberto S. Martinho, Jaime Gonçalves Pereira, João Manuel Branco, Manuel Carlos Diniz, António Pereira (Talé), Serafim Santos Costa, António Duarte Maio, Adélio Teixeira Pacheco, João Luís Nunes Rocha, Manuel C. Santo Tirso, Francisco Ribeiro Santos, António Marques Garrido, José Manuel Mónica Gomes, Custódio Gomes, Mário Pereira Figueiredo, José Raínho, Fernando Dias Antunes, António Teixeira, Manuel Campos, Fausto (fundidor), Fernando Feijão, Salvador Calisto Pinto, Carlos Alberto Sousa, Albino Calisto Pinto, António Pereira de Jesus, Ulisses Rocha N. Oliveira, José Armando Pereira, David Pinho S. Ratola, Domingos (maneta), Casimiro Oliveira Ascensão, Manuel Nunes Costa, Moisés Santos Coelho, José Fernandes Pires, José Santos Calisto, Manuel Simões Miranda, Leonardo Ribeiro, António Reis Ferreira, João Saraiva, José Ferreira da Cruz, Luís de Jesus Rebelo, Alfredo Simões Neves, Manuel da Silva Vieira, Manuel de Jesus, Lino Marques da Costa, Manuel Oliveira Ascensão, Silvino Valente Baltazar, Herculano Barbosa, José Manuel F. Camelo, Mário Fernandes, António Viegas M. Saraiva, Carlos Alberto Marques, Manuel Soares Henriques, Mário Gonçalves Maio, Amadeu Paiva Cardoso, Antenor Barbosa, Alberto Pereira Santos, Mário da Cruz V. Dias, Rafael Marques Fernandes, Valdemar Ferreira Maia, António Rodrigues Vieira Branco, Manuel Pompeu Figueiredo, Manuel Vieira Gomes, Agostinho Ribeiro Pinto, João Duarte V. Silva, José Ferreira Andias, Aurélio Jesus Batista, Manuel Gamelas Ribeiro, Manuel Neves Lopes, Álvaro Moreira, Anselmo Rodrigues de Sousa, António Bolais Mónica Júnior, João Evangelista R. Soberano.
A inauguração no dia 1 de Dezembro de 1957, do campo 1.º de Dezembro, é quiçá o facto de maior relevância na vida do Grupo Desportivo de São Bernardo. Essa inauguração é-nos relatada no jornal “Notícias de Ovar”, o qual, na sua edição de 16 de Janeiro de 1958, nos dá essa notícia do seguinte modo: “Os Diretores José dos Santos Lopes, Manuel de Carvalho, Orlando Marques da Rocha e Carlos Correia e muitos desportistas de São Bernardo procederam, em ambiente de festa, à receção da equipa visitante.
Na Sede do Clube trocaram-se palavras de saudação acompanhadas de vibrantes salvas de palmas.
Em seguida, formou-se extenso cortejo até ao campo de jogos, em que colaborou, tocando algumas marchas, a Tuna de Santa Cecília.
Após breves cerimónias, entraram as duas equipas em campo, que fizeram alinhar os seguintes elementos:
rupo Desportivo de São Bernardo: Serafim Costa, Francisco Ribeiro, Jaime Pereira, Aires, César e Alberto Lopes, António Duarte, Rocha, Soares, Taipeiro e Branco.
Centro Recreativo de Válega: José Luís, Albino, Teles e Joaquim (1), Madeira e Américo, Manuel, Correia, Costa e Seifão.
O Centro Recreativo de Válega venceu por 5-2". Estava-se no dia 1 de Dezembro de 1957. Tratava-se de um jogo amigável, inserido nas cerimónias de inauguração do Campo de Jogos que ficou com a designação de Campo 1.º de Dezembro (por sugestão de Francisco Ribeiro dos Santos, por ser inaugurado no dia 1 de Dezembro), no qual o Grupo Desportivo de São Bernardo faria os seus jogos de Futebol de 11.
Outro facto digno de especial realce é a junção que o Clube faz, quinze meses após o início dos seus trabalhos, à Sociedade Musical Santa Cecília que tinha a Sede, nessa altura, perto da junção das Ruas da Capela (a atual Rua Cónego Maio) e Barreiros, encostada à actual loja do João Branco.
Na altura da junção, em Março de 1958, a Direção da Sociedade Musical Santa Cecília era constituída pelos seguintes elementos:
Presidente - Manuel de Oliveira Barroca;
Vice-Presidente - João Martins da Costa Tavares;
1.º Secretário - Artur Júlio da Silva Cascais;
2.º Secretário - António Ferreira do Casal;
Tesoureiro - António Rodrigues Branco;
Vogal - Mário da Cruz Vieira Dias.
Assim, o Grupo Desportivo de São Bernardo passa a constituir a Secção Desportiva da referida Sociedade. Como consequência da junção verificada, o Clube deixa de ter sócios, passando a Sociedade a dar mensalmente à Secção Desportiva, a título de subsídio, uma percentagem sobre a receita proveniente dos seus sócios.
E assim aconteceu efetivamente de Março de 1958 até Setembro de 1959, em que o total do subsídio atribuído foi de 1469$10. O mês em que foi atribuído o subsídio maior foi em Dezembro de 1958, com 177$00, e o menor em Maio de 1958, com 13$90.
Atendendo à junção verificada, são eleitos novos Diretores para ficarem à frente do Clube. São eles:
- Manuel de Carvalho;
- Orlando Marques da Rocha;
- Carlos Gonçalves Pinto;
- Carlos Correia.
O início do ano de 1958 marca uma tentativa de organizar internamente a vida do clube. Além das contas, mantidas sempre na mais perfeita ordem, nota-se então um esforço suplementar dos dirigentes em disciplinar a vida do Grupo Desportivo de São Bernardo, procedendo à elaboração de um livro de registo de sócios desportistas e à feitura de ficha de atletas.
Estes factos demonstram cabalmente uma grande esperança dos dirigentes em lançar o Grupo Desportivo de São Bernardo, em épocas futuras, a um outro nível: em provas federadas, começando a dotar o Clube, nessa altura, de uma indispensável estrutura de apoio.
O ano de 1958 é efetivamente o ano de ouro do Grupo Desportivo de São Bernardo. Nele, efetuou mais de metade do total dos jogos que realizou em toda a sua existência, tendo participado de 11/5/58 a 16/6/58, no Torneio Popular de Futebol organizado pelo CICA - Comércio e Indústria Clube de Aveiro (Delegação n.º 13 do Clube de Futebol os Belenenses) - e pago a inscrição de 50$00 e uma caução de 100$00, que depois foi reembolsada. Nesse Torneio encontrava-se em disputa a Taça Anselmo Pisa, tendo tido a participação de catorze equipas.
Desde o começo do Clube até ao seu final, a parte técnico-tática esteve entregue aos Treinadores Carlos Correia e Manuel de Carvalho, tendo existido também a colaboração do conhecido Labruna, do Beira-Mar.
Com muita esperança entrou-se no ano de 1959. A Direção da Sociedade Musical Santa Cecília passou a ter, com a tomada de posse efetuada no dia 7 de Fevereiro, a seguinte constituição:
Presidente - Artur Júlio da Silva Cascais;
Vice-Presidente - Manuel Rodrigues Bolais Mónica;
1.º Secretário - Manuel da Costa Relvas;
2.º Secretário - António Rodrigues Farela;
Tesoureiro - António Rodrigues Vieira Branco.
O começo do ano de 1959 é marcado pela realização de alguns jogos particulares. No entanto, começa a sentir-se uma quebra do ritmo imposto no início, em meados desse ano.
Não importará escalpelizar as razões profundas dessa quebra. De qualquer modo, a partida de um ou outro elemento para fora de São Bernardo e o casamento de alguns e suas implicações familiares, trouxeram umas determinadas hesitações ao Clube, que não teve nesse momento uma mão de ferro que o segurasse na sua viagem para a inatividade, apesar dos esforços que algumas pessoas ainda fizeram.
É curiosa uma análise histórica às contas do clube. Em 1957, há uma receita de 3635$80 e verifica-se um saldo positivo de 498$10. Em 1958, em 31 de Dezembro, verifica-se um saldo positivo de 382$50. No último ano da sua atividade, em 31 de Dezembro de 1959, o clube tinha em caixa 515$50 e tinha a renda desse ano para pagar, no valor de 800$00. Para o ajuste de contas a Direção da Santa Cecília atribuiu um subsídio suplementar à Secção Desportiva de 284$50. Assim, o Grupo Desportivo de São Bernardo ficou em caixa com 800$00 o que deu para pagar exatamente a renda, ficando assim, no final da sua atividade, com as contas perfeitas: nem um tostão de lucro nem um tostão de prejuízo. Tudo certíssimo.
Diversos foram os jogos realizados pelo Grupo Desportivo de São Bernardo. Passamos a destacar alguns deles:
01/12/57 - GDSB/Válega - 2-5.
08/12/57 - GDSB/Caião de Esgueira - 2-0.
22/12/57 - GDSB/Leões de Sá - 3-2.
29/12/57 - GDSB/Verdemilho - 5-1.
12/01/58 - Verdemilho/GDSB - 1-0.
19/01/58 - GDSB/Leões de Sá - 2-1.
27/01/58 - Válega/GDSB - 3-1.
09/02/58 - GDSB/Quinta Valadense - 0-5.
23/02/58 - Quinta Valadense/GDSB - 5-1.
13/04/58 - Vagos/GDSB - 0-2.
04/05/58 - GDSB/Válega - 3-2.
25/05/58 - GDSB/Oliveirinha - 0-3.
08/06/58 - Quinta Valadense/GDSB - 7-0.
22/06/58 - GDSB/Eixo -3-0.
17/08/58 - Eixo/GDSB - 0-1.
05/10/58 - Aradas/GDSB - 0-1.
02/11/58 - Sport Lisboa e Eixo/GDSB - 2-2.
28/12/58 - GDSB/Quinta Valadense - 2-2.
25/01/59 - Atlético Ovar/GDSB - 1-1.
26/04/59 - GDSB/Grupo Desp. Serém - 3-0.
07/06/59 - GDSB/Atlético Ílhavo - 3-1.
Além destes, o Grupo Desportivo de São Bernardo efetuou mais jogos com clubes da Quinta do Gato, Vagos, Vilar e Fermentelos.
O dia 16 de Agosto de 1959, marcou o termo da atividade futebolística do Grupo Desportivo de São Bernardo e foi pela última vez que as cores do Grupo atuaram naquele que já era um afamado campo de futebol da zona: O CAMPO 1.º DE DEZEMBRO.
Mas a vida, o exemplo dos seus Dirigentes e Atletas, o elevado sentido comunitário que intrinsecamente possuía o Grupo Desportivo de São Bernardo, não foram em vão. Tudo isto ficou para as gerações vindouras como um exemplo de dedicação, de amor e de carinho a um ideal e de abnegado e por vezes incompreendido esforço a bem de uma terra, da sua juventude e das suas gentes.
CONCLUSÃO
No decurso da leitura deste trabalho, o leitor teve oportunidade de viver com gerações de há 50, 60 e 70 anos, momentos únicos e imperdíveis da nossa história comunitária. Durante os trinta anos em análise, encontramos uma comunidade viva, atuante e dinâmica e com esse forte sentido de cidadania e de solidariedade, valores que criaram raízes sólidas e que permaneceram bem vivas na nossa comunidade.
Foi este exemplo e esta postura que constituíram o alicerce de evolução a uma freguesia, também no âmbito desportivo, registou ao ter criado e cimentado aquele que é, nos últimos 25 anos, um dos mais prestigiados clubes nacionais de andebol.